sexta-feira, 29 de abril de 2011

Ela. Ele. V


Ela se deita na cama e em poucos minutos fica naquele impasse de "meio-acordada, meio-dormindo". Ele se aproxima sorrateiramente, a abraça por trás. Ela suspira aliviada e, nesse ato, já perdi metade da tensão que carregou nos ombros o dia inteiro. Ele começa a acariciar, com as pontas dos dedos, as costas dela. Aquele arrepio instantâneo a percorre o corpo, das vértebras cervicais até a falange distal. Ela suspira fundo, longo. Logo aquele cansaço começa a dar lugar ao desejo. Instintivamente.
Numa velocidade e agilidade de quem faz isso a um bom tempo, ele tira a camiseta de ambos, a beija na nuca e tira com as palmas de sua mão, toda a dor e fragilidade encravada no corpo dela, pelos dias rotineiros de exaustão. Como num passe de mágica, surge vigor da onde se pensava não existir mais nem força para manter os olhos abertos. Ele a vira de face para ele, tira a franja caída nos olhos dela e sussurra: "Ao invés de fazer carinho com amor, por que não fazemos amor com carinho?" e a beija, esperando a resposta vir do aumento do fluxo da saliva dela, e não das palavras. E aquele amor de sempre - mas sem aquele itinerário habitual, acontece, reacontece, se reinventa, se transforma, se espalha, se revigora, alimentando e saciando, mesmo que brevemente, a fome daqueles que se confessam escravos do amor.


Franciélle Bitencourt.

segunda-feira, 25 de abril de 2011


Um olhar, somado com o silêncio, faz alguém pensar muito mais do que milhões de palavras ditas no calor do momento.



Franciélle Bitencourt.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ausência; Presença.


A sensação da falta, da abstinência, da ausência, correi por dentro, dilacera, faz faltar o ar.
O tempo corre e não pergunta se queremos ir junto, ele só nos carrega, nos empurra, não dando a alternativa de decidirmos ficar eternizados em um momento ou se esperamos ele - o tempo - passar.
As horas passam, os abraços se perdem, o cheiro se dissipa, o gosto na boca é engolido e só permanece a falta do bem-querer, que tanto faz bem.
O coração não perde a palpitação, a ocupação do amor e a certeza - que amenizam a dor - mas por mais que se saiba que o melhor sentimento do mundo se concentra metade no peito e metade no estômago - junto com as borboletas - a necessidade da presença é inevitável, e o desejo pelo corpo irremediável.
Nada substitui o beijo no pescoço, a mão no corpo, a língua na boca, o cheiro entranhando na alma, o "eu te amo" ao pé do ouvido.


Franciélle Bitencourt.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Dedicado ao melhor homem do mundo.


Eu estava tentando evitar esse momento, esse instante em que eu teria que colocar pra fora tudo que eu tenho para falar sobre ele, mas que até agora eu não exteriorizei por tentar me defender do que está por vir ainda. E falar dele no passado, do que ele foi, de como ele era, do que ele fez me mostra que realmente, tudo o que passamos no dia 30 de março de 2011, não foi um sonho.
Nesse dia 30 de março de 2011, perdemos o maior alicerce da nossa família de 43 membros, entre tios e tias, primos e avós. Nesse dia, o Cara lá de cima resolveu levar o único homem que conhecíamos que possuísse a sabedoria de um velho e o coração de uma criança.
Foi dele que todos os netos ouviram "Vem cá meu bambino" quando os nossos pais brigavam com a gente, foi dele que todos os netos riram da mexidinha de orelha que ele dava sem rir. Foi ele quem contou as melhores aventuras de caminhoneiro que alguém já viveu por todo esse país a fora. Era ele que dizia "obrigado, obrigado" com dois tapinhas em nossas mãos quando dizíamos "Vovô, eu te amo".
Ele foi o cara que nos mostrou que a paciência é uma virtude, que não vale a pena as brigas e que a força de vontade é o nosso maior tesouro.
Viveu uma vida de rei. Digo isso porque são poucas as pessoas que têm a felicidade de gerar uma família de 43 pessoas, todas encaminhadas na vida, sem vícios, unidas pelo amor que ele e a minha querida avó depositaram nesses 60 anos de casados, no qual surgiu essa família imensa e linda que é a nossa. Teve saúde a sua vida toda, cantou mais de 50 anos no coral da cidade, fazia sua caminhada diária mesmo já tendo 81 anos, sinônimo da saúde de ferro e da firmeza que ainda tinha.
Hoje estou mais calma, mas não mais ciente da situação. Não foi nada fácil ver essas 43 pessoas chorarem desoladamente em cima do corpo dele sem vida. Foi duro, surreal, inesperado, mas hoje vejo que foi real. A gente sempre vê outras pessoas passando por isso mas nunca, eu disse NUNCA imaginávamos que isso fosse acontecer com o nosso vôzinho. Mas aconteceu.
Meu avô perdeu a vida de morte natural. Então paro e penso: "Existe maneira melhor de desencarnar do que essa?". Isso só provou que ele cumpriu a sua parte aqui na Terra, que todas as suas passagens por aqui serviram para ele chegar a evolução plena e o levaram ao descanso eterno e que, provavelmente, ele não precisará mais voltar.
Eu sei que ele já sabia que havia chegado a sua hora. Ele se despediu de toda a família, não escancaradamente, mas quem tinha o sentido um pouco mais aguçado, percebia que ele estava fazendo isso.
Hoje me pego a pensar diariamente que a vida nada mais é do que uma folha de árvore que, qualquer sopro do vento, pode levá-la ao chão. Percebo também que não há tempo para o amanhã, que a necessidade de viver o hoje é imensa e que a certeza da morte é maior do que a da vida. Nada de sofrer por besteiras, de perder tempo para o supérfluo e de se importar com quem não se importa com a gente. Como diz o nosso grande Renato Russo: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há".
O certo é vivermos sim, cada dia como se fosse o último e a cada anoitecer vivos, pararmos e perguntarmos a nós mesmos se o que vivemos até agora foi o suficiente e se morrêssimos hoje, morreríamos felizes.
Tenho tentado colocar em prática todo o nada que sei sobre a vida e a morte, e com isso não tenho chorado tanto pela morte do meu avô. Me dói sim a sua partida, mas tenho transformado a dor em boas lembranças e em saudade. Sei que ele está em um lugar bem melhor agora, e que está colhendo tudo o que ele fez de bom aqui na Terra. Agora eu sei que temos que ficar mais unidos do que nunca e colocarmos em prática todos os ensinamentos desse velhinho querido que foi o nosso avô.
"Aonde quer que eu vá, vou ti levar pra sempre". Sempre vô.
Acho que não falei tudo o que eu tinha pra falar, mas por enquanto, é o suficiente.
Essa família aí da foto te ama muito e pra sempre.


Franciélle Bitencourt.