sexta-feira, 18 de junho de 2010

Velhas lembranças...


Por mais que a gente ouça os outros falando “é melhor dar valor enquanto está vivo do que depois que estiver morto", ou "um dia eu vou morrer daí você vai sentir falta de mim", ou até mesmo "eu não tenho me sentindo bem ultimamente, fica aqui comigo?".
Pois é. Hoje quando eu estava vindo para o meu trabalho, entro no ônibus e me sento do lado de um senhor de idade, devia ter mais ou menos uns 75, 80 anos. De repente, ele começa a conversar comigo. Esse foi o momento em que eu prestei atenção nele e me assustei com a semelhança que ele possuía com o meu falecido e querido avô.
Sabe aquela coisa que o jeitinho, o sorriso, os cabelos brancos com as "entradinhas", as mãos, tudo lembrava ele?

Meu avô faleceu quando eu tinha 12 anos, eu não tinha muita convivência com ele pelo fato de morar a 2 horas de onde ele morava. Quando podíamos vê-lo, nós sempre íamos.
Meu avozinho sempre foi muito ativo, era pião de rodeio, tinha uma égua linda com a qual participa de campeonatos de laço, corrida e que também, levava eu e o meu irmão para passearmos. Era daqueles tradicionalistas, churrasco feito no chão e a cuia do chimarrão sempre do lado. Acordava no máximo 06h00min da manhã todos os dias, e sempre me chamava de Francisquinha. Quando eu queria comprar bala ou chocolate e os meus pais não me davam dinheiro, lá vinha meu avozinho com a sua bolsinha de couro onde guardava as moedas, e sempre me dava umas bem graúdas! Todas as vezes que eu dormia lá, eu era obrigada a acordar e colocar a minha roupa de prenda, isso até os meus 8, 9 anos. A felicidade do meu avô era ter sua netinha preferida prendada e o seu netinho mais novo piunchado, sentados em sua perna tomando chimarrão com ele! Eu me divertia muito com isso!

Ocorreu que uma vez, quando estávamos em um rodeio, meu avô me colocou e colocou também o meu irmão em cima da égua, e nos levou embora fugidos dos nossos pais, cavalgando muito rápido! Ele viu que estávamos cansados de ficar ali o dia inteiro, e o meu pai não queria ir embora tão cedo. Ele ficou sensibilizado com a nossa situação, pois já estávamos, praticamente, dormindo próximos a sua égua. Veio ele, todo carinhoso dizendo: "Francisquinha! Zéquinha (como ele chamava meu irmão) corram aqui que o vô vai levar vocês embora!". E lá se foi ele! Eu agarrada no meu irmãozinho, que estava sentando entre eu e o meu avô, com o bumbum em cima da ponta da cela que não era nada confortável, mas achava aquilo o máximo! Nunca havia cavalgado tão rápido, como aquele dia, na égua do meu avô!

Aconteceram tantas coisas boas enquanto ele esteve aqui. Hoje, exclusivamente hoje, me deu uma saudade enorme dele. Tive que me segurar para não começar a chorar do lado daquele senhor simpático, que tanto se parecia com o meu avô.

A maneira como ele se foi, aconteceu da pior forma possível. Suicídio.
Alguns anos antes de isso acontecer, ele sofreu um AVC, e ficou de cama muito tempo, fazendo fisioterapia, até melhorar quase que cem por cento. Quando as coisas estavam voltando para o seu lugar, a vida prega outra peça no meu avozinho e ele sofre o seu segundo AVC. Esse deixou seqüelas mais graves. Meu avô ficou com o lado direito todo paralisado, mal falava e não podia andar. Para poder fazer as suas necessidades básicas, como comer, ir ao banheiro, tomar banho, ele necessitava de ajuda de uma terceira pessoa. Meu avô tinha uma namorada - minha avó faleceu de câncer, quando meu pai tinha 13 anos. Meu avô prometeu em cima do caixão dela que, só se envolveria com outra mulher quando todos os seus filhos tivessem se casado. Demorou quase 30 anos para que isso acontecesse, e ele cumpriu com o prometido - alguns anos mais nova que ele. Ele era muito bonito e tinha presença, apesar da sua vasta idade, e ainda chamava atenção das mulheres maduras como ele. Meu avô pode amar de novo quando conheceu essa mulher, mas acredito que ele não era tão correspondido como imaginava. Quando a situação dele começou a piorar, essa senhora simplesmente o abandonou, deixando o meu querido avô mais uma vez amargurado por ter perdido, novamente, alguém que ele amava.

Por mais que fizesse fisioterapia, a situação dele não melhorava muito. Ele até começou a andar com a ajuda de um apoio com rodinhas, mas isso não chegava nem perto do que ele queria voltar a ser. A tristeza era visível nos seus olhinhos cansados, e o amor pela vida ia se dissipando em meio as suas dificuldades. Viveu assim por alguns anos, ou meses, não me lembro exatamente, até que um dia não agüentou mais.

A filha da minha prima, que na época tinha uns 5 anos, num dia de manhã cedinho, às 06:00h da manhã, entra na casa onde o meu avô morava com a minha tia, e vê o que ninguém gostaria de presenciar na vida.
Saiu correndo, berrando pela minha tia dizendo: "Vó! Vó! O bisa tá com uma corda no pescoço e se tremendo todo no chão do lado da cama!". Minha tia correu, largou o leite que estava tirando da vaca no chão, mas viu que chegou tarde de mais.
Havia três nós duplos na corda, amarrado no pescoço do meu avô e na cabeceira da cama onde ele dormia. Como que ele fez aquilo? De onde ele tirou forças pra fazer uma coisa dessas?
Antes de isso acontecer, ele havia ido ao banheiro com a ajuda da minha tia, depois tomou os seus remédios, e falou: "Está chovendo hoje né? Vou ficar na cama mais um pouquinho. Minha cordinha da fisioterapia está a onde filha? Em baixo da cama?". Foram as últimas palavras ditas pelo meu avô.

Eu era nova pra entender toda a gravidade que envolvia aquilo, mas tinha plena consciência do que era tirar sua própria vida. Chorei muito.

Hoje, quando me lembrei de tudo isso enquanto percorria o meu percurso diário, senti-me profundamente culpada por não ter feito algo a mais pelo meu avô. A última vez que eu o vi com vida, ele estava sentado na sua cadeira de rodas, chorando porque estávamos indo embora, pedindo para que ficássemos lá com ele. Dói-me tanto lembrar isso, é como se surgisse um nó na minha garganta, me bate uma dor de cabeça momentânea e uma tontura repentina. Passa rápido, mas atormenta.

Hoje espero, sinceramente, que ele esteja bem, onde ele estiver. Rezo muito por ele para que sua alma tenha encontrado a paz de Deus e que ele tenha se perdoado pelo que fez.
Prefiro agora, me lembrar de quando corríamos a cavalo, íamos ao rodeio presenciar as suas vitórias como melhor laçador da região. Lembrar do melhor churrasco que eu já comi na minha vida e daquela voz rouca e doce me chamando de "minha Francisquinha".

Fique em paz avozinho, quero que saibas que eu o amo muito e que um dia ou outro, iremos nos encontrar de novo.


Franciélle Bitencourt.

4 comentários:

  1. nossa Fran, me segurei pra não chorar agora :T
    saudade com certeza deve ser um dos piores sentimentos que existe, só temos que nos confortar acreditando que depois disso, existe algo muito melhor por vir.


    Manu.

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  2. nossa guria, chorei demais :(
    perdi meu avô e minha vô recentemente, dói demais!

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  3. Nossa *------*
    Sem Palavras :(
    olhos ensopados

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  4. Realmente emocionante como ja citado, também tenho boas lembranças do meu avô, e é muito triste não tê-los pra sempre :/
    ótimos textos Fran!

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